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    10 dias na ilha do Maio = 300 de tranquilidade

    20 de agosto de 2025

    Sempre ouvimos esta frase aqui na cidade da Praia: "O tempo na ilha do Maio para... passas um dia e parece que estás lá há um mês..." e por aí fora. Tínhamos 10 dias de férias e queríamos aproveitá-los ao máximo. Então fizemos uma aritmética simples: se um dia equivale a 30, então 10 x 30 = 300. Então bora lá, a ilha do Maio e sentir essa sensação do tempo.


    A ilha do Maio parecia o destino perfeito-perto, acessível e barato. Apenas duas horas de barco, da cidade da Praia, com o mar normalmente calmo, por pouco mais de 1.500 escudos.


    Na cidade do Porto Inglês, o local mais movimentado da ilha, ainda assim o tempo parece não passar. Aliás, diga-se de passagem, leva o título de "cidade" apenas por uma decisão política: um decreto de dezembro de 2010 que elevou todas as capitais municipais à categoria de cidade. Mas os maienses persistem em chamá-la de "vila" do Porto Inglês.


    Já tínhamos ido ao Maio n vezes, mas sempre por períodos curtos, por dois dias, com sensação da lentidão do tempo, e sempre com o mesmo esquema: ficar na vila e fazer tours relâmpago pela ilha, percorrendo a estrada que forma um círculo, por todas as localidades. Pensava eu que conhecia bem a ilha. Mas não era bem assim. O Maio é muito mais do que aquilo que se vê da estrada.


    Desta vez, decidimos fazer diferente. Alojámo-nos no interior da ilha, na pequena localidade de Alcatraz, no outro lado da ilha, "protegida" pelo Monte Penoso, onde tudo acontece em slow motion. A ideia era mesmo sentir o tempo parar.


    E não é que, por estas bandas, até os galos ficam confusos com o tempo? Deveriam cantar apenas ao amanhecer, mas aqui cantam a anunciar um novo dia de cinco em cinco minutos. O silêncio das aldeias do interior é tão profundo que os galos parecem uma orquestra, cada um a cantar na sua casa. Assim é em localidades como Pilão Cão, Alcatraz, Pedro Vaz, Praia Gonçalo e Santo António. Para mim, era esta paz que eu procurava.


    Aqui respira-se outro ar. Provavelmente mais saudável. E, acima de tudo, libertador. Uma incrível sensação de tranquilidade.


    Do outro lado da ilha, na costa este, encontram-se duas praias de areia negra e várias de areia dourada. As praias de areia negra são raras nas três ilhas mais a este do arquipélago, Sal, Boa Vista e Maio, ditas como as mais antigas de Cabo Verde.
     

    Boca Ribeira e Boca de Praiona, entre Pedro Vaz e Praia Gonçalo, são duas pérolas-praias de areia dourada e águas cristalinas em tons de azul-turquesa. Praticamente desertas, com "ondas preguiçosas" que preferem o silêncio para não incomodar o tempo. Na praia de Boca Ribeira há pequenas dunas que tornam a paisagem espectacular, um deleite para os olhos. E na praia de Boca de Praiona assistimos a um dos mais belos pôr-do-sol à beira-mar. Embora a praia esteja voltada para o lado oposto ao ocaso, a orografia plana da ilha permite que ali se desfrute de um cenário deslumbrante quando o sol se põe.


    Em dez dias explorámos, a pé, toda a costa leste da ilha, desde a localidade de Ribeira D. João até Santo António, passando pela praia de Flamengos, sempre com toda a calma do mundo, a observar e apreciar cada centímetro desta bela ilha. Também nos aventurámos pelas zonas montanhosas e subimos ao ponto mais alto, o Monte Penoso (436 metros de altitude). Lá no cimo, a presença de água permanente garante a sobrevivência de vacas e cabras, acrescentando ao cenário um encanto especial.

     

    Na ilha do Maio existem cerca de sete áreas protegidas, abrangendo praticamente todo o seu território. Em 2020, a UNESCO reconheceu a ilha como Reserva Mundial da Biosfera.


    Um ponto de paragem obrigatória para quem visita a ilha do Maio é a localidade da Calheta, conhecida pela sua beleza cénica e pela gastronomia. Aqui, a moreia frita é a estrela, saboreada ao fim da tarde, enquanto o sol se esconde atrás da ilha de Santiago. A iguaria tornou-se tão célebre que deu origem ao Festival da Moreia, realizado anualmente em meados de agosto. Este ano seria a 7ª edição, no entanto, o evento foi cancelado este ano em solidariedade com as vítimas da tempestade, de 11 de agosto, em São Vicente.

     

    A “vila” do Porto Inglês tem os seus encantos. A extensa e magnífica praia diante da urbe, as salinas, a bela Igreja Matriz no coração da cidade e, sobretudo, a simpatia das pessoas, que vai muito além do conceito de morabeza. Já na zona urbana que mais cresceu em termos habitacionais, encontra-se outra joia: a praia de Ponta Preta, igualmente deslumbrante, onde passámos a tarde inteira até o sol incendiar o céu antes de desaparecer no horizonte.


    Às 22h, fomos à praia ver a desova das tartarugas, uma bênção da natureza, cuja proteção é uma causa séria em Cabo Verde. Os voluntários da Associação Maio Biodiversidade estavam lá, garantindo a segurança do processo. Passámos muito tempo, mesmo muito tempo, a observar as tartarugas na desova. Quando voltámos para casa, ainda eram 23h30... O relógio aqui não tem pressa.


    Quanto à gastronomia, na ilha do Maio, foi à base do que o mar oferece. Todos os dias provámos pratos com garoupa, bidião, atum, búzio, moreia, lagosta, polvo…


    E assim se passou o tempo na ilha do Maio, ou talvez tenha parado.

     

     

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    Localidade de Alcatraz

     

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    Localidade de Alcatraz

     

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    Desova de Tartaruga

     

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    Praia de Praiona

     

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    Praia de Flamengos e os rastos de tartarugas

     

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    Praia de Ribeira D.João, extremo sudeste da ilha do Maio

     

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    Igreja de Nossa Senhora da Luz, na cidade de Porto Inglês

     

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    Praia de Beach Rotxa, na cidade de Porto Inglês

     

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    Disco Passaperto, em Pilon Cão

     

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    Praia de Boca Ribeira

     

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    No Topo do Monte Penoso, o ponto mais alto da ilha do Maio

     

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    Deliciosa moreira frita, em Calheta - ilha do Maio

     

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    Igreja entre Alcatraz e Pilon Cão

     

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    Praia de Ponta Preta

     

     

    Décio Barros