A entrada norte do bairro Achada Grande Frente, na cidade da Praia, destaca na fachada de uma habitação duas caras de crianças, Latifah e Yara, irmã e residentes na referida habitação. A mãe conta que vieram cá, pessoas do bairro e um estrangeiro...que "encantou com os traços das caras das minhas filhas e pela história da avó das crianças, a Nha Maria", que aos 47 anos, após perder o marido sozinha os 13 filhos, mesmo assim conseguiu construir a sua própria casa. Proporam realizar, na fachada da casa, a obra de arte de autoria do artista britânico, de origem ganês, Dreph (www.instagram.com/dreph_).
Ninguém fica indiferente a beleza da obra de arte de Dreph, feita em agosto de 2019, na casa "Nha Maria" situado num largo. É ali que iniciamos a visita guiada "Achada Grande Frente Street Art Tour" promovida pela empresa Terra Terra Tours (www.instagram.com/terraterratours/), de Judith e Jair.
10 da manhã, hora marcada para o inicio da visita guiada. Eramos 5 pessoas, dois guias, um austríaco e uma irlandesa e um crioulo (eu). Os promotores preferem assim, pequeno grupo. Depois da casa "Nha Maria" prosseguimos pela rua principal do bairro. Judith é holandesa, há muitos anos em Cabo Verde, já fala crioulo fluente. Jair é badio (natural da ilha de Santiago), companheiro da Judith. Ambos guias e empreendedores na área de turismo.
Judith e Jair conhecem muito bem as ruas, ruelas, becos e pessoas do bairro de Achada Grande Frente. A Judith entre cumprimentos e abraços, começou a explicar aos turistas o ritmos musicais de Cabo Verde e que o "Rei do funaná" reside no bairro. Não é que o destino trouxe, precisamente, o Zeca di Nha Reinalda, de passagem, abrandou a marcha do seu carro e cumprimentou a Judith e os turistas. É a morabeza.
Próxima obra de arte, "Retrato de Jo", já no centro do bairro, de autoria da brasileira Ananda Nahu (www.instagram.com/anandanahu), feito em 2018, num mural de dois andares de altura. A "Jo" é também uma personagem do bairro.
No mesmo sitio começam a surgir figuras de elefantes, que o artistas Falko One, da África do Sul, pintou, cerca de 14, espalhadas pelo bairro, desenhadas e adaptadas conforme as paredes disponíveis.
Pouco metros mais a baixo, encontramos, a obra do italiano Nemos (www.instagram.com/whoisnemos). Nemos é conhecido por seus instigantes murais de humor negro habitados por figuras humanas características, nas grandes metrópole pelo mundo. Aqui, em Achada Grande Frente, desenhou um enorme peixe, onde as escamas foram povoados por figuras humanas.
Foi com a presença do Nemos, que em janeiro de 2018, iniciaram as intervenções artísticas e os 8 workshops de Arte Pública, no âmbito do projeto Xalabas (www.instagram.com/projeto.xalabas) que concebeu e realizou intervenções de arte urbana como estratégias de melhorar a sua imagem, mudar as percepções negativas e lutar contra o estigma do Bairro de Achada Grande Frente, e torna-lo num bairro mais atrativo. Neste workshop também participaram artistas nacionais como Oleandro Pires Garcia, Iyomi Ashira, Hélder Cardoso e Fabio Testi, que deixaram as suas marcas em forma de arte nas paredes do bairro.
Esta fase do projeto Xalabas, teve duração de 3 anos, terminou em janeiro de 2021, contou com apoio financeiro da União Europeia e parceria da Câmara Municipal da Praia. Foram realizadas 60 obras de arte de 24 artistas. Em cada workshop realizado com a presença de um artista estrangeiro conceituado e vários nacionais.
Voltando a visita guiada, prosseguimos por entre becos estreitos, sempre com a população a nós a cumprimentar com sorrisos e abanar da cabeça de "morabeza". Chegamos a local denominada de "Boca de fumo". O nome vêm do facto do local estar com constante de fumos derivados dos grelhados de peixe, carne e das panelas. Ali, o artista brasileiro Raphael Sagarra, conhecido por Finok (www.instagram.com/finok), juntou o gosto dos moradores pelas cores verde e amarelo, para criar uma obra relacionada com rostos indígenas e povos variados. Finok, ainda deixou a sua marca em mais 4 locais do bairro.
Na zona de "Boca de fumo" paramos na Atelier do Gelson Monteiro (instagram.com/gelson.monteiro.142), um artesão do bairro. É uma oportunidade de negócio, para os locais apresentarem os seus trabalhos aos turistas.
Dali, seguimos para a obra de Vhils (www.instagram.com/vhils), artista português de grande projeção internacional. Vhils chegou ao bairro, em agosto de 2019 para o oitavo e último workshop do projecto Xalabas. E esculpiu a figura do grande Amílcar Cabral, na fachada da Escola Secundária do bairro. Na altura, a inauguração da obra foi em grande, ao ritmo da Tabanca, uma grande tradição enraizada no bairro. E ainda com presença de figuras publicas como Abraão Vicente (Ministro da Cultura e das Industrias Criativas), Comandante Pedro Pires (ex Presidente da República) e Sofia Moreira de Sousa (então Embaixadora da União Europeia em Cabo Verde).
Contornamos a esquina da Escola Secundária, em direção à Associação Pilorinhu, e no murro das traseiras, deparamos com as cores vivas com figuras do quotidiano rural da ilha de Santiago, realçado num fundo de cor amarela. É a obra de arte de Sabino e Fico, da Comunidade de Rabelados de Espinho Branco.
Logo alí perto, fomos para a sede Associação Pilorinhu, que em parceria com a ONG Africa´70 (promotora), criaram condições e efetivaram o projeto Xalabas. Em conversa com os responsáveis, percebemos a importância da Associação Pilorinhu no trabalho social em prol da comunidade, que daria um outro artigo, numa outra altura, com muito para escrever.
Continuamos a visita guiada, por entre becos, cada um mais estreitos do que o outro. Chegamos a um largo, ou melhor quase largo, por entre habitações desorganizados. Onde dois carpinteiros reparam um bote de pesca artesanal. São uma das muitas marcas do quotidiano piscatória de um bairro que nasceu e cresceu voltado para os negócios do mar e do Porto da Praia. A figura da luta de libertação nacional, a heroína guineense Titina Cilá, é a obra que marca este ponto, com assinatura de Bankslave (www.instagram.com/bankslave100), natural de Quénia, mas viajante do mundo, para espalhar a sua arte para um "mundo melhor"
Menos de 5 metros dalí, o brasileiro Alexandre Keto (www.instagram.com/alexandreketo), em janeiro de 2021, com a sua arte homenageou "as meninas trançadeiras", uma pratica muito comum no bairro. Na mesma zona, a artista mindelense Gilda Barros (www.instagram.com/gilda_s.barros/) enaltece a Tabanka, marca e ritmo enraizado em Achada Grande Frente.
Em janeiro de 2021 estava prevista um festival de Arte Pública, com presença dos artistas que vieram aos 8 workshop realizados. Mas a pandemia trocou às voltas ao cronograma das atividades.
Prossegue a visita guiada, e já estamos, na última rua do bairro, com vista sobre baía da Gamboa e a cidade da Praia. Passamos por outras obras de Ananda Nahu e de Finok. E terminamos com a obra do mesmo artista que iniciamos o tour, a obra de Dreph, que homenageou Franklin Alves "Sr. Fafá", mergulhador muito conhecido no bairro, agora na reforma.
E para terminar, mesmo, o tour, nada melhor que a gastronomia. Escolhemos o boteco "Boca do Tubarão" com serviço de esplanada na rua, para degustar um filete de atum, arroz e salada. E uma cervejinha Kriola.
As obras espalhadas pelo bairro de Achada Grande Frente já foram mapeadas e disponibilizada num placar no centro do bairro. E todas as obras já possuem as respetivas placas informativas.
Décio Barros