Hellen é o tipo de turista que busca imergir na cultura local, espécie de "viajante etnográfico". Ela aprecia dança, música, gastronomia e causas sociais que promovem o bem-estar, seja na Espanha, em Cabo Verde ou na Palestina.
Hellen é uma verdadeira amante da natureza e busca sempre se conectar com sua essência. Natural de Madrid, Espanha, ela visitou Cabo Verde no início de dezembro, explorando a ilha de Santiago. Essa foi sua segunda visita ao país; a primeira ocorreu há cinco anos, quando conheceu a ilha de São Vicente. Conheceu a dançarina Rosy Timas, da Companhia Raiz di Polon, durante um espetáculo na Espanha. A amizade foi instantânea, e Rosy a convidou para visitar a ilha de Santiago.
Ela chegou a Cabo Verde alguns dias após organizarmos uma caminhada pela Ribeira de Gongon. Ao ver fotos do local, compartilhadas por amigas espanholas que trabalham em um projeto social na cidade da Praia, apaixonou-se imediatamente e procurou nosso contato para conhecer o lugar.
Antes da caminhada, iniciamos o roteiro pela Gruta de Lázaro, em Portete, São Francisco, uma das 7 Maravilhas Naturais do município da Praia. Este ponto turístico é envolto pela lenda de Lázaro, um homem do século XIX que redistribuía bens roubados dos ricos para os pobres, usando a gruta como esconderijo.
A caminhada pela Ribeira de Gongon foi marcada para outro dia, era uma quarta-feira. Localizada à cerca de 60 km da cidade da Praia, no município de São Miguel, a ribeira é conhecida por sua exuberância verdejante e água a correr ao longo do ano. No trajeto de carro, fizemos paradas em pontos interessante como a árvore "ta nderia ka ta kai" ["parece que vai cair, mas está firme", tradução livre para português] , símbolo de resistência contra o vento e a seca, na localidade de Milho Branco, no munícipio de São Domingos.
Na localidade de Renque Purga, já no munícipio de Santa Cruz, um baloiço chamou-nos atenção, onde Hellen se divertiu e alongou para a caminhada. Na cidade de Pedra Badejo, visitamos o bairro de Cutelinho, onde recentemente ocorreu a SCAW - Santa Cruz Art Week, um evento que promove inclusão e "autoestima" por meio da arte. Promovido pelo artista plástico de Helder Cardoso. A nossa Hellen gostou da iniciativa, interagiu com a pessoas, elogiou as pinturas murais e a essência deste projeto artístico/social.
Próxima parada: a comunidade dos Rabelados, em Espinho Branco, no munícipio São Miguel. Mas antes, fizemos uma pausa na "Praia dos Amores" à entrada de São Miguel. Os Rabelados são grupos religiosos que se isolaram da sociedade após discordarem de reformas litúrgicas nos anos 1940. Fomos recebidos calorosamente por Sabino, um artista plástico local, e sua esposa, que nos mostrou a sala "Rabelarte", com obras da comunidade. Hellen ficou encantada com a hospitalidade. Expliquei-lhe que isto tudo faz parte do conceito da palavra "morabeza", que carateriza o turismo da marca Cabo Verde.
Chegamos a Ribeira Principal, na localidade de Hortelão, eram 10h45. Onde iniciamos a caminhada rumo a Gongon. Sem antes, encomendar o almoço no Restaurante Pam di Terra, para recarregar as forças no fim da caminhada, escolhemos no menu, o atum na chapa e legumes.
Na caminhada pela Ribeira de Gongon, percorremos 5 km de pura conexão com a natureza. Entre coqueiros, bananeiras e plantações de inhame (conhecido na ilha de Santiago por "malanca"), alcançamos uma cachoeira de beleza cênica. Ficamos ali por um bom tempo, apreciando os sons da natureza e sentindo a água fresca cair sobre nossas cabeças. O momento foi de rejuvenescimento. Nesta ribeira é muita rara o encontro com pessoas. Das poucas pessoas que encontramos pelo caminho, houve momento de pequenas conversas e sentir a tal morabeza crioula. Quase no fim da caminhada, houve oportunidade para refrescar outra vez, com banho de tanque. É um pequeno tanque, é o meu tanque preferido na ilha de Santiago, tem quase sempre água límpida e constantemente renovada.
De volta à cidade da Praia, paramos em Pedra Badejo para beber água de coco e conversar com as vendedeiras. Hellen surpreendia a todos ao arriscar frases em crioulo, encantando as pessoas por onde passava.
Chegamos à Praia por volta das 18h00. Uma hora depois, assistimos a um concerto de Zul Alves, uma jovem artista em ascensão. Foi uma apresentação intimista, que proporcionou uma viagem pela música tradicional cabo-verdiana, reinterpretada com uma roupagem moderna. O ponto alto do espetáculo foi uma emocionante homenagem a Sara Tavares, a artista crioula falecida há um ano, durante a qual a amiga de Hellen, a dançarina Rosy Timas, fez uma performance cativante enquanto Zul Alves cantava. O concerto foi o culminar de um dia fantástico.
Dias depois, num sábado, marcamos para conhecer a maior árvore de Cabo Verde: o "Pé di Polon", na ribeira de Boa Entrada, a 2 km do centro da cidade da Assomada. Nessa viagem, estavam comigo a Hellen e a Artemisa, uma cabo-verdiana que emigrou ainda criança para a Espanha e, agora adulta, está em Cabo Verde, trabalhando para uma Fundação Espanhola com um projeto de inclusão social na ilha de Santiago. A Artemisa tem uma ligação umbilical com a ribeira de Boa Entrada, terra dos seus avós.
Antes de chegar ao "Pé di Polon", fizemos outra paragem obrigatória na "Feira de Somada", um mercado que há mais de 100 anos reúne pessoas de quase toda a ilha de Santiago, às quartas-feiras e aos sábados. Um verdadeiro banho de cultura, com gentes, cores, cheiros e sabores. Hellen e Artemisa aproveitaram para comer, dentro do mercado, a famosa "cachupa refogada" com ovo e linguiça. Ainda ali perto, demos um pulo na "Loja Persona", que vende vestuário de marcas crioulas e alberga um estúdio fotográfico.
De mercado, seguimos para o nosso destino, o "Pé di Polon", em Boa Entrada, uma ribeira agrícola produtiva durante todo o ano. O "Pé di Polon", com mais de 25 metros de altura, é um dos pontos turísticos mais importantes da ilha de Santiago. Ali, Hellen foi logo procurar um canto no tronco para "conectar-se" à árvore centenária. Antes de vir para cá, o "Polon" já era especial para Hellen, pois sua amiga, que a hospedou, é dançarina da mais conceituada companhia de dança de Cabo Verde, a Companhia Raiz di Polon.
Ainda na ribeira de Boa Entrada, tivemos uma conversa com uma camponesa já idosa, que nos contou sobre sua vivência e porque muitos jovens emigraram, ela teve de vir cuidar da terreno agrícola e da colheita de produtos. Tentou nos oferecer papaia, mas insistimos em comprar. Foi mais um momento fantástico em Boa Entrada.
O sol já estava no ponto mais alto, e era hora de regressar à cidade da Praia, pois o combinado era conhecer o "Pé di Polon" na parte da manhã. Mas pelo caminho, havia duas paragens obrigatórias: a "Casa Padjudo" e o Pastel de Milho de São Domingos. A "Casa Padjudo", junto ao mercado dos Órgãos, no município de São Lourenço dos Órgãos, é um ponto gastronómico onde a especialidade é a cachupa e a carne de porco assada, tudo preparado na rua, à vista dos clientes. Com mais de 40 anos de tradição, a "Casa Padjudo" é um importante ponto turístico, muito frequentado por nacionais e estrangeiros. Um local a visitar na ilha de Santiago. Em seguida, paramos no centro da cidade de Várzea da Igreja, no município de São Domingos, para mais uma paragem gastronómica, desta vez para saborear o famoso pastel de milho de São Domingos, uma iguaria muito procurada por quem viaja pelo interior da ilha. Hellen e Artemisa adoraram. Eu também!
Já na cidade da Praia, faltavam poucos minutos para as 15h00, e fomos para a Feira do Livro de Natal, na Biblioteca Nacional, no Largo do Memorial Amílcar Cabral. Hellen estava à procura de livros infantis em crioulo.
Para encerrar a aventura do dia, fomos à Rua de Arte, no bairro de Terra Branca, onde o artista mentor do projeto Rua de Arte, Tutu Sousa, estava pintando a fachada de uma casa. Visitamos também na mesma rua a "Galeria de Arte Tutu Sousa", um espaço de ambiente familiar, onde todos os membros da família têm sua produção artística e sua marca, desde Tutu Sousa até a esposa e filhos. Mais uma vez, Hellen e Artemisa ficaram fascinadas com as obras de arte.
Faltava um dia para Hellen terminar sua viagem a Cabo Verde. Ela estava à procura de mais locais com eventos com batucadeiras para poder vivenciar ainda mais a nossa rica cultura cabo-verdiana.
Hellen, volte sempre!
Crônica de Décio Barros