LogoAgenda Cultural Cabo Verde
    ok

    Nha Nácia Gomi, a Rainha do Finason, faria hoje 100 anos

    18 de julho de 2025

    Nha Nácia Gomi, grande referência do batuku e do finason, ritmos tradicionais da ilha de Santiago, completaria hoje 100 anos de vida. Símbolo maior desta expressão cultural, a sua importância é tão marcante que a o Município de Santa Cruz, onde residiu durante toda a vida adulta, tem promovido várias iniciativas para assinalar o seu centenário. Esta quinta-feira, 18 de julho, foi realizada uma conferência dedicada à sua vida e obra. A 31ª edição do Festival de Música de Areia Grande, um dos mais importantes da ilha, presta-lhe igualmente homenagem. No âmbito das celebrações, a cantora Élida Almeida, que comemora 10 anos de carreira, agendou um concerto especial na cidade de Pedra Badejo, para assinalar a efeméride das comemorações do centenário.

     

    Maria Inácia Gomes Correia, popularmente conhecia por Nha Nácia Gomi, nasceu a 18 de julho de 1925, em São Miguel, na Ribeira do Principal, então pertencente ao município do Tarrafal, na ilha de Santiago. Viveu grande parte da sua vida em Ribeira Seca, com o marido, a única filha e os netos. Foi madrinha de uma das aeronaves dos TACV (Transportes Aéreos de Cabo Verde) e, em 1997, a companhia aérea, com o apoio de outras instituições, ofereceu-lhe uma habitação em Achada Fátima, na zona urbana de Pedra Badejo.

     

    Apesar de nunca ter frequentado a escola, Nha Nácia Gomi destacou-se pela impressionante capacidade de memorizar as suas próprias cantigas, pela criatividade inesgotável e pela forma única como encantava o público com as suas palavras.

     

    Na conferência realizada hoje (18) em Pedra Badejo, o investigador e antropólogo Arlindo Mendes descreveu Nha Nácia Gomi como poetisa, profetisa, cantadeira, batucadeira e muito mais, sublinhando que, embora analfabeta, deixou um legado de valor incalculável. Defendeu ainda que esse legado deve ser estudado, promovido e servido de inspiração para trabalhos académicos.

     

    O presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Carlos Silva, salientou que o nome de Nha Nácia Gomi está presente no quotidiano dos santacruzenses, através das suas frases e ensinamentos. A artista é homenageada diariamente: o Salão Nobre da autarquia, uma rua e um busto numa rotunda movimentada carregam o seu nome. O edil adiantou ainda que está nos planos do município a criação de um Museu Nha Nácia Gomi.

     

    Também presente no painel sobre a vida e obra de Nha Nácia Gomi, Gé di Nácia, um dos netos da Rainha do Finason, é guia de turismo e conta que, durante os seus tours, leva os turistas até à rotunda onde se encontra o busto de Nha Nácia Gomi (inaugurado em 2023), para falar sobre esta figura ímpar da música tradicional cabo-verdiana e o legado que deixou na cultura do país.

     

    A investigadora musical Gláucia Nogueira, no seu livro "Cabo Verde & a Música - Dicionário de Personagens" recorda que, por volta dos 15 anos, Nácia Gomi surpreendeu tudo e todos ao entrar pela primeira vez num terreiro de batuku, durante uma festa de casamento, mostrando um talento de improviso que a própria não imaginava ter. Nessa noite, enfrentou a prestigiada cantadeira Nha Tcheca Oliveira, que tentou intimidá-la com a frase "quando tubarão entra no porto, chicharro tem de sair". Mas Nácia respondeu com o seu célebre "terreru ka di-meu, ka di-nhos" [o terreiro não tem dono]. Por respeito aos conselhos da mãe, que lhe disse que rapariga que entra no terreiro à noite só deve sair com o dia claro, cantou até o sol nascer. E nunca mais parou.

     

    Na década de 1980, o investigador Tomé Varela da Silva recolheu e registou em áudio as suas cantigas, trabalho que deu origem ao livro Finasons di Nha Nasia Gomi (1988), onde se encontram também informações biográficas.

     

    Nha Nácia Gomi atuou em palcos internacionais, como a Expo 92 em Sevilha, o festival do Museu Smithsonian, em Washington (1995) e a Expo Universal de Lisboa, em 1998, integrando o espetáculo "Camin di mar", produzido pelo grupo Simentera para contar a história da música cabo-verdiana.

     

    Muitas das suas músicas tinham uma forte inspiração religiosa, com referências a santos e santas, abordando temas do quotidiano e questões sociais. As suas cantigas, para além de conselhos e ensinamentos, eram também marcadas por humor e sabedoria popular.

     

    Embora fosse amplamente conhecida em Santiago, só em 1994 a sua voz chegou a disco, com dois finasons incluídos no CD "Music from Cape Verde", editado na Suécia. Em 1999, colaborou com os Ferro Gaita na música "A’ Nacia Gomi", do álbum Rei di Tabanka.

     

    Nha Nácia Gomi faleceu a 3 de fevereiro de 2011, aos 85 anos. O Governo de Cabo Verde decretou luto nacional, reconhecendo a sua grandeza cultural e humana.