Carlos Andrade está na estrada com o solo de stand up comedy “Covidiota", que estreou há um mês na cidade da Praia. Passou também pelas ilhas de Santo Antão e São Vicente. O humorista, já de regresso a Lisboa, quer continuar com o show "Covidiota" pela Europa.
Carlos Andrade, agora com 29 anos, vive em Lisboa, Portugal, desde os 16 anos. Mudou-se em 2008 para a capital portuguesa para dar continuidade aos estudos secundários e depois completou a formação superior. Licenciou-se em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa. É mestrando em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação, no ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa.
No âmbito do estágio curricular de mestrado, esteve no canal televisivo SIC a estagiar durante quase um ano. Acabou por ficar na estação, então sediada em Carnaxide, na área de gestão de conteúdos para o online. “Passei por momentos complicados nessa época. Acordava 3 horas antes para caminhar 2 horas até ao estágio porque não tinha dinheiro para o autocarro. Nunca ninguém soube disso, nem os meus pais”, confessa o humorista. Na SIC já foi convidado a fazer conteúdos em vários festivais e eventos mediáticos como os Globos de Ouro, International Emmy Awards, Moda Lisboa e Nova Temporada - onde, em alguns deles, levou o grogue (aguardente) crioulo. “Posso dizer que sou o único homem do mundo que já bebeu grogue com Juliana Paes… e mais não digo”, garante.
Enquanto estudava no secundário, gostou do significado da palavra “artolas” (pouco ajuizado, desajeitado) referenciado no romance "Os Maias", de Eça de Queiroz e acabou por adotá-la como nome artístico.
Subiu ao palco pela primeira vez para stand up comedy num pequeno evento promovida pela Câmara Municipal de Sintra com parceria da Embaixada de Cabo Verde em Portugal, onde fazia estágio durante a licenciatura. "Estava nervoso, não queria subir ao palco. Algumas funcionárias da embaixada insistiram comigo e lá fui. Hoje, agradeço-as pela insistência”. Foi na altura que recebeu o seu primeiro cachê, 170 euros, e não estava à espera. "Boa, pá! Afinal stand up vale a pena!!".
A partir daí, nunca mais parou. Não tardou a surgir outro desafio, um convite para o evento "Miss 10 ilhas", em Carnaxide, onde apresentou em palco e pela primeira vez o personagem Djubensu. A seguir foi para EUA, a convite de um amigo. Teve “bons momentos" em palcomas, olhando para trás, confessa: “foi muito constrangedor. Aprendi e ainda tenho muito que aprender”.
Carlos Andrade admite que desde criança foi extrovertido entre colegas e amigos, mas nunca pensou que o humor poderia fazer parte da sua vida profissional. "Sempre gostei de animar a todos quando estou com grupo de amigos, quando sinto confortável. Gosto de aproveitar o momento".
Quanto ao desporto, já fez ginástica artística, natação e dança, mas de momento não pratica nenhuma modalidade. Diz que dá uns toques no futebol e que joga a lateral [o que denuncia a sua qualidade...ninguém joga a lateral, só os profissionais porque são obrigados].
Já no Ensino Secundário, em Portugal, nos anos de 2009 / 2010, já fazia vídeos de humor em português. Até que um dia decidiu fazer em crioulo e, desde então, continua na sua língua materna. A produção dos vídeos de humor é uma das grandes apostas de Carlos Andrade. Diz que a grande final do direto “Ranjan Foz - Especial Artolash” foi, até agora, o ponto mais alto em termos de alcance nas suas redes sociais. A interação foi grande, a gala final teve mais de 5 mil pessoas a assistir. "Fiquei muito surpreendido".
O público de Carlos Andrade "nasceu" essencialmente das redes sociais onde o humorista publica muitos conteúdos humorísticos. Tem 95 mil seguidores no Facebook, 74 mil no Instagram, 43 mil no Youtube e muitas interações nas suas publicações. No show de estreia do tour "Covidiota", na cidade da Praia, foi anunciado a entrada do Carlos Andrade no palco e houve um "clarão" na plateia...eram fãs a registar o momento nos seus telemóveis, muitos em live para as redes sociais.
Inspiração
"Inspiro-me no genuíno do povo cabo-verdiano e em pedaços de histórias que acontecem comigo no dia a dia ou que já presenciei. A partir daí, é trabalhar o número. Cabo-verdiano é, por natureza, um povo engraçado. Tudo na ‘discontra’. Há sempre motivos para fazer humor. Recentemente, houve uma ameaça de bomba no aeroporto da Praia. Pessoas deslocaram de táxi, de propósito, todos numa espécie de excursão para irem ver se a bomba ia mesmo arrebentar ou não... coisas de cabo-verdianos. Brutal!”.
Carlos Andrade é natural de São Miguel, nordeste da ilha do Santiago. Viveu também no bairro de Latada, nos arredores da cidade da Praia. Aliás, Latada está muito presente nos números de humor do humorista. "Latada News" é uma rubrica das sequências de vídeos mais populares nas suas redes sociais.
Juntar as suas vivências em Cabo Verde e na diáspora dá-lhe certa bagagem, "um olhar mais abrangente e maduro" para formular muitas ideais, que o humorista explora para realçar as particularidades do povo crioulo no seu humor.
“Nos últimos anos, o Stand Up Comedy Kriol tem crescido e a afirmar-se na agenda cultural cabo-verdiana. Eu, Benji, CV Tep, tínhamos muitos shows na Europa. Agora com a pandemia, houve um impacto brutal nos eventos. Aqui em Cabo Verde, com a retoma das atividades culturais, surgiram muitos eventos de Stand Up Comedy, promovidos pelo humorista Enrique Alhinho, que estão a incentivar o surgimento de novos talentos na área. O que é muito bom". Artolash já teve shows em França, Portugal, Suíça, Holanda, Luxemburgo, Estados Unidos e Cabo Verde.
Analisando o seu percurso como humorista, Carlos Andrade nota que agora já tem um melhor à-vontade no palco. "Agora arrisco mais nas conversas... o humor dá-nos liberdade de sermos e falarmos sem filtros. Ousarmos usar o nosso alter ego. Dizer o que queremos dizer sem medo de represálias morais e sociais, pois o contexto assim o permite. Também noto uma grande evolução na edição dos meus vídeos comparando, por exemplo, o primeiro vídeo "Latada News" e o de agora - dá para ver que os vídeos agora estão mais clean, com grafismos mais elaborados. Gosto desse processo.”
Como humorista quer sempre dar o melhor e apreender com os shows e tentar fazer mais e melhor.
Das personagens criadas, o Dexu é o preferido. "Para já, a minha voz fica distorcida por causa da dentadura e isso é automaticamente engraçado para mim. Divirto-me muito a fazer o personagem”.