Nos dias 20 e 21 de dezembro, o grupo de batuco Delta Ramantxada realizou a 20ª edição do "Festival de Batuku - Nós Tradison" no Tarrafal de Santiago, reafirmando-se como o festival de batuco mais duradouro de Cabo Verde.
O batuco, uma manifestação cultural secular originária da ilha de Santiago, é conduzido principalmente por mulheres e combina música baseada na percussão, dança conhecida como "dá ku tornu" e uma rica tradição de "literatura" oral. Esta expressão cultural aborda temas como o quotidiano, a política e a sociedade, frequentemente com tons críticos. Classificado como Património Imaterial Nacional, o batuco tem ganho, nos últimos anos, cada vez mais visibilidade.
O "Festival de Batuku - Nós Tradison", iniciado em 2006, enfrentou desafios ao longo dos anos, incluindo a falta de financiamento. Marisa Correia, fundadora do evento e líder do Delta Ramantxada, destacou o esforço necessário para manter o festival ativo. "Os grupos participantes não recebem cachê, e o apoio com transporte é, geralmente, fornecido pelas câmaras municipais. Contudo, este ano, devido às recentes Eleições Autárquicas, houve dificuldades adicionais, e a organização assumiu os custos diretamente."
Um crescimento notável do festival
No início, o festival contava com quase todos os grupos de batuco da ilha de Santiago. Hoje, de acordo com um inventário do IPC, Instituto do Património Cultural, existem mais de 100 grupos em todo o país, envolvendo mais de mil praticantes.
Nesta 20ª edição, participaram 36 grupos, representando todos os municípios da ilha. A abertura contou com uma apresentação conjunta, simbolizando a união entre as batucadeiras. O festival decorreu no Largo Santo Amaro, perto da praia do Tarrafal, e foram marcadas por um clima de celebração e convívio entre as participantes.
Batuco, um património em ascensão
Para Marisa Correia, o batuco está no auge. Além de ser reconhecido como Património Nacional, em 2021 foi instituído o Dia Nacional do Batuco, celebrado a 31 de julho. A presença do batuco tem crescido em espaços culturais e na media, com destaque para programas como o "Show da Manhã" da TCV. Até artistas internacionais, como Madonna, incorporaram elementos do batuco em suas produções. Jovens cabo-verdianas na diáspora estão a abraçar o batuco, já músicas de batuco com milhões de visualizações no YouTube. E, também, a vencer prémios nos Cabo Verde Music Awards (CVMA), na categoria Música Tradicional.
Apesar dos avanços, Marisa acredita que ainda há desafios, como a presença limitada de batucadeiras nos festivais de música do país, sobretudo enquadradas nas festividades municipais. Ela aponta a Câmara Municipal do Tarrafal de Santiago como uma exceção, ao incluir regularmente grupos de batuco em eventos como o Festival de Música Nhu Santo Amaro.
Delta Ramantxada
Com 22 anos de história, o grupo Delta Ramantxada é uma das mais dinâmicas e uma referencia no batuco cabo-verdiano. Além de organizar o festival, o grupo tem representado Cabo Verde em eventos internacionais e atua regularmente em espaços culturais locais. Delta Ramantxada já representaram o país no Festival da Lusofonia em Macau - China. Com o grupo completo já atuaram na Austria e na Alemanha. E quase todas as ilhas de Cabo Verde, com exceção de Brava e São Nicolau. Com 15 músicas lançadas, estão a preparar o lançamento de um álbum.
Marisa Correia, que cresceu envolvida com o batuco, lidera o grupo com paixão. Ela lembra o início do Delta Ramantxada como uma extensão das atividades da Associação Delta Cultura, que também mantinha uma equipa feminina de futebol. Hoje, o grupo conta com 17 elementos, muitos dos quais começaram como crianças no grupo de "batuquinhas", também da Associação Delta Cultura.
Apesar do sucesso, Marisa admite sentir o peso da organização do festival. Ela espera que a Câmara Municipal possa assumir a responsabilidade pelo evento no futuro, permitindo um crescimento ainda maior, com a inclusão de grupos da diáspora e melhores condições financeiras para os participantes.
A nova geração
Idalena, conhecida por Ida, filha de Marisa, representa a nova geração de batucadeiras. Ela orgulha-se de partilhar o palco com a mãe e promete ajudar a manter o festival vivo. Ida costuma dizer que iniciou no batuco ainda na barriga da mãe, pois Marisa, grávida, já brincava o batuco. Nascida praticamente na mesma época em que o grupo foi criado, cresceu envolvida nesse ambiente, participando dos ensaios dos mais "grandes" e também no grupo Batuquinhas, composto por crianças.
Hoje, com 20 anos, Ida é integrante do grupo Delta Ramantxada. Ela expressa o orgulho de estar ao lado da mãe no palco: "É uma sensação incrível". Enquanto a mãe canta, ela dança, ou melhor, "dá ku tornu". Sobre a possibilidade de o "Festival de Batuku - Nós Tradison" terminar na 20ª edição, Ida afirma: "Nem pensar, nem que seja eu a ajudar a minha mãe a continuar com o festival". Ela entende a importância desse evento para Marisa.
Silvania Fernandes, conhecida por Tchuná, é outra integrante do Delta Ramantxada. Além de sua atuação no batuco, joga futebol na equipa Delta Cultura desde a infância. Atualmente, a equipa é a campeã em título do campeonato sénior feminino de Santiago Norte, tendo participado no Campeonato Nacional de 2024, realizado na ilha de São Vicente.
Quanto ao festival de batuco, Tchuná diz ter perdido a conta das edições em que participou. Contudo, desde que se lembra, esteve sempre presente, nem que fosse apenas para subir ao palco e "dá ku tornu", ainda criança. O batuco sempre fez parte de sua vida familiar, pois suas irmãs mais velhas também eram praticantes dessa tradição cultural.
Décio Barros