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    O cantador mais cantado das ilhas

    26 de novembro de 2025

    Se Ildo Lobo estivesse vivo, a hora que público este artigo na manhã desta quarta-feira, 26, certamente ele estaria a levantar-se de cama e a agradecer pelos muitos gestos de carinho demonstrados durante uma bela noite de serenata num espaço qualquer a assinalar os seus 72 anos.

     

     72 anos! Só!? Dou comigo e exclamar em silêncio. 

     

    De facto, quando uma pessoa deixa este mundo aos 50 anos, fica sempre aquele sentimento de uma morte precoce. 

    Pus-me a imaginar quanta coisa bonita o Ildo poderia nos ter dado nos últimos 20 anos. Uma fortuna, não tenho dúvidas. 

     

    Façamos, então, um pequeno exercício:

     

    Ildo Lobo esteve n’Os Tubarões durante cerca de 20 anos. Foi o vocalista de todos os 9 álbuns do conjunto.

     

    Quando, em meados da década de 90, se deu a desintegração da banda, Ildo Lobo avançaria para uma carreira a solo, tendo, num espaço de 7 anos, gravado 3 álbuns, embora o último – Incondicional - só viesse a chegar ao mercado já depois de ele ter partido.

     

    É certo que as coisas não são assim tão lineares. Também é verdade que a energia dos 30 ou 40 anos não é a mesma de quando já se está acima dos 60. Mas, convenhamos, nestas coisas da arte, a experiência dos cabelos grisalhos obriga a um esmero tremendo com o produto final. O seu primo Mirri Lobo está por aí para confirmar. Os seus dois mais recentes álbuns, Caldeira Preta (2010) e Salgadim (2019) provam o requinte dos cabelos e barba brancos.

     

    Assim, meio a sério meio a brincar, e tomando como referência a média de 1 álbum por cada 3 anos, digo que se Ildo Lobo não tivesse partido nos primeiros anos deste novo milénio, talvez estivesse neste mês de novembro a assinalar os seus 72 anos com o lançamento do décimo CD a solo. Que perda! Sem contar com as eventuais muitas parcerias, nomeadamente com artistas mais jovens, talvez!

     

    Imaginações à parte, facto é que há mais de duas décadas não temos “nôs cantador” entre nós. Mas, felizmente, ele continua a cantar para muitos ouvidos e, melhor ainda, passou a ser cantado.

     

    Ildo lobo levou uma vida inteira a (en)cantar. Quando entrou para Os Tubarões, por exemplo, era um imberbe de 20 anos. Depressa caiu no goto dos cabo-verdianos, virou a voz de ouro, admirado por todos. Para mim, é o cantor do consenso junto da nação cabo-verdiana. Não conheço um indivíduo apreciador da música de Cabo Verde que não adora o Ildo.

     

    Após a sua morte, em 2004, choveram vários tributos. Fui “dar um mergulho” no cancioneiro cabo-verdiano à procura de homenagens ao Ildo e o resultado pode surpreender: encontrei 12 canções! É um número generoso, pelo que pode dizer-se que Lobo virou o cantador mais cantado das ilhas. 

     

    1. NÔS CANTADOR – BETÚ (Dudu Araújo)

    Adalberto Silva “Betu” era um grande amigo e parceiro de Ildo Lobo nas lides musicais. Em dezembro de 2004, pouco mais de um mês após a morte do confrade, Betú compôs “Nôs Cantador”. Viria a ser gravado dois anos mais tarde, em 2006, por Dudú Araújo num álbum homónimo.

    A estima do compositor da ilha do Maio por Ildo Lobo fica bem evidente nesta canção. Chama particular atenção a parte em que o sujeito poético pergunta:

     

    Ma mó qui ta ficá

    Si amanhã mensagem qui nascê

    Ca ta podê spadjá 

    pa mund inter

     

    Nestes versos fica implícita a ideia de orfandade. Ou seja, Ildo Lobo partiu e, na ótica do sujeito poético, já não há quem possa, no futuro, espalhar pelo mundo inteiro, através da sua voz, novas mensagens/canções que venham a surgir.

     

    Quando ele questiona “como vai ser o futuro sem quem possa espalhar novas composições que vierem a surgir?” (tradução livre), não se está, do meu ponto de vista, perante uma mera pergunta de retórica. 

    Betú tinha em Ildo Lobo o principal “espalhador” das suas mensagens pelo mundo. De acordo com dados fornecidos pelo próprio compositor, ele tem 45 composições gravadas/publicadas. Só Ildo Lobo gravou 12. As restantes 33 dividem-se por 27 outros intérpretes. Então, pode dizer-se, é Ildo mais 27!

     

    Passemos para um segundo tributo, agora de Lobo para Lobo.

     

    1. TRIBUTO A ILDO LOBO – DANY LOBO (Dani Lobo)

    Scutam nha irmon

    Ceita ês nha homenagem

    Qui sai di fundo di nha alma

    Fruto dun vivença 

    Qui n’prende cu bó 

     

    Esta é a primeira quadra da composição “Tributo a Ildo Lobo”, da autoria do foguense Dany Lobo. A música foi gravada pelo próprio Dany em 2009, no seu primeiro álbum “Nha Vivência”.

     

    Os dois Lobos, Dani e Ildo, partilhavam o mesmo apelido, mas não eram parentes. Estavam ligados, de certa forma, pelas lides profissionais. O primeiro, quadro das alfândegas. O segundo, despachante oficial. Reuniam-se constantemente em convívios, onde não faltava música.

     

    1. MENSAGÊR DI POVO  - Constantino Cardos (Constantino Cardoso)

    Frustração, tristeza e dor foi o que se viu no rosto de cada cabo-verdiano naquela quarta-feira, 20 de outubro de 2004 quando, logo pela manhãzinha, chegou a notícia da repentina morte de Ildo Lobo. E é assim, recordando essa manhã fatídica, que Constantino Cardoso dá início à canção “Mensagêr di Povo.”

     

    Frustraçon, tristeza y dor

    Na cada rosto cabo-verdiano

    Pl’manhã triste y traisoera di quarta-fera 

    Qui levob 

    Mensager di nos povo

    grito di nos liberdade

    Qui decha povo cu coraçon

    Na palma d’ mon

     

    Constantino compôs e ele mesmo gravou “Mensager di Povo” no álbum “Um Historia de Mindel”, editado em 2006, dois anos depois da partida do Lobo.

     

    1. TUBARÃO SOLITÁRIO - DJILA /BAU (Djila)

    Agora estamos em família. A canção “Tubarão Solitário” é mais um tributo a Ildo Lobo, mas assume uma carga emotiva especial por ser da autoria de um irmão, no caso Virgílio Silva “Djila”. O tema, que conta com os arranjos de Bau, dá nome ao álbum de estreia do salense, gravado em 2018. 

     

    À medida que se vai ouvindo a música pode notar-se a evocação de algumas passagens que nos remetem para canções que Ildo eternizou ao longo da sua carreira. Casos, por exemplo, da emblemática Labanta Braço, de Alcides Spencer Brito; a morna Notícia, de Betu; Mãe Querida de Tito Paris; ou então Nha Testamento, do próprio Ildo Lobo.

     

    Tubarão Solitário,

    Bo voz ê um eco

    Hino d’un povo!

    ...

    Bo corpo ê di tchon

    Bo alma ê di Deus

    E bo voz ê eterno

     

    O álbum Tubarão Solitário contém 12 músicas e, nele, Djila traz mais uma canção de homenagem ao irmão Ildo Lobo, da autoria de Tiófilo Chantre.

     

    1. ILDO –TEÓFILO CHANTRE (Djila)

    Há um aspeto que salta à vista nas músicas que homenageiam Ildo Lobo: a beleza da sua voz, que é destacada em praticamente todas as composições. 

    Em “Ildo”, Teófilo Chantre escreveu que ele tinha “voz ate dmás”

     

    Bo voz era grito e força de um povo! 

    Qui labanta braço pa clamá sê liberdade

    ...

    Bo tinha voz ate dmás

    Que tava entranhá na cada coraçon        

    Que ta fazê vibrá nôs alma criola

     

    1. ILDO – CHANDO GRACIOSA (Chando Graciosa)

    Chando Graciosa é mais um músico que, logo após a notícia da morte de Ildo Lobo, se apressou a escrever um tributo à “voz de ouro”. Na canção, que Chando gravou ainda em 2004 no álbum “Dor di Mundo”, o cantor tarrafalense recorda Ildo como o embaixador da nossa música, um livro cheio de história e de poesia.

     

    A bo era um homem só

    Voz di ouro, bom cantador

    Embaixador di nos música

    Pa mi bo é um livro cheio di stória y de poesia

     

    1. Homenagem Ildo Lobo – BLYK TCHUTCHI (Blyk Tchutchi)

    Blyk Tchutchi é, tal como Chando Graciosa, um outro filho do Tarrafal de Santiago que pôs na música uma sentida homenagem a Ildo Lobo.

    Sim, o autor de “Cu Formiga Cu Tudo Gosta” não deixou de gravar e, de vez em quando, vai dando um ar da sua graça. Em 2021, por exemplo, editou o álbum “Pé Fincado na Tradiçon”, um trabalho com 12 canções, uma delas é uma bonita homenagem a “Nôs Centro Cultural”.

     

    Ah si Deus daba mi poder

    N ta fazia bo voltaba pa Mundo

    Pa bo bem canta morna, coladêra, tabanca, batuco y funaná

    Po bem reforça tradiçon di nos povo

     

    1. Voz Dildoro – TÓ ALVES (Tó Alves)

    Através da aglutinação das palavras Ildo e ouro, Tó Alves criou “Voz Dildoro”, uma composição criada pouco tempo após a morte do cantor da Pedra de Lume. Viria a ser dado ao conhecimento do público em 2006, no álbum “Hô Mãe Mas Justa”.  A canção recorda de forma emotiva as qualidades de Ildo Lobo enquanto homem, enquanto artista.

     

    Canto n ta lembrá na bo manera de cantá

    Bo voz ta consolá tudo coitado que ta sofrê

    Na bô subida de melodia

    Ta dame aperto na coraçon 

    de um fidjo coitado que crebu tcheu

    Qui ca ta squeceu

    Mas qui t’amabu tcheu

     

     “Voz Dildoro” é a faixa de abertura do álbum “Hô Mãe Mas Justa” e

     

    1. ADEUS ILDO – Walter Tavares/Humberto Ramos

    “Adeu Ildo” é um registo que não está editado em álbum. Logo após a morte de Ildo Lobo, o são vicentino Valter Tavares, conhecido por Zuzu, encontrava-se em Lisboa e, apanhado de surpresa pela notícia, escreveu este tributo. Depois, ele e Humberto Ramos musicaram-no, com Humberto a assumir os arranjos e produção. O tema não está em disco, mas essa gravação está por aí e pode ser apreciada.

     

    Notícia triste qui nô manche

    É nôs Ildo qui já partí

    Cabo Verde bisti di preto

    Dja d’Sal tchorá sê fidjo

    Pedra de Lume mergulhá na dor

     

    Adeus nôs Ildo

    Adeus nha ídolo

     

    Quando bo parti pa eternidade

    Rosto de povo tchorá sodade

     

     

    Ildo Lobo era natural da Ilha do Sal, nasceu em Pedra de Lume no ano de 1953. Viveu grande parte da sua vida na Cidade da Praia. Vocalista da mítica banda Os Tubarões, deu voz a todos à quase dezena de álbuns do conjunto, gravados entre de 1976 e 1994. Em finais da década de 90 enveredou por uma carreira a solo, tendo deixado 3 trabalhos discográficos: Nôs Morna (1997), Intelectual (2001) e o último, Incondicional, estava a ser finalizado quando ele deixou este mundo. Seria editado depois da sua morte.

     

    1.  HOMI GRANDE – PauloG Bento 

    Cabo Verde já perdê mas um fidjo querido

    É mas um vela qui já pagá

    Durante tudo si vida

    El luta pa nôs cultura 

    Cu carisma e doçura di sê voz

    Na quentura de um coladêra

    ô num ritmo suave di morna

    Pa tud cabo-verdiano quê cabo-verdiano

    Nô bem tchorá sê partida

     

     

    1.  ÚLTIMO MORNA– Jotacê /Anísio Rodrigues

    “Último Morna” na verdade não foi gravado, ainda. Mas há um “demo” no Youtube. A composição é da autoria de João Carlos Silva “Jotacê”, e Anísio Rodrigues.

     

    Conforme explicou Jotacê certa vez numa publicação na rede social Facebook, trata-se de um “singelo tributo a um dos responsáveis por eu ter ganhado gosto por compor.” 

     

    Dor de bô partida na nha peit

    Um frida que nem força de temp pud curá

    Cond bo trilhá

    bô camim pa eternidade

    Na estrada de sôdade

    Um recordá doçura d’bo voz ta cantá

     

     

    No Youtube está “um registo simbólico” de “último Morna”, com voz e violão de Anísio Rodrigues, publicado no dia 20 de outubro de 2024, para a assinalar a passagem dos 20 anos da morte de Ildo Lobo.

     

    Os autores esperam que algum dia alguém venha a gostar, e possa gravar em disco esta bela composição.

     

    1. Ildo (Lamento) – Vaiss

    Para fechar, convido-o a se deixar embalar pelos solos da guitarra de Osvaldo Marcos Dias “Vaiss”, também ele já falecido. No seu álbum instrumental “Betty Mar”, de 2011, Vaiss pôs lá um tributo a Ildo Lobo, intitulado “Lamento”. 

     

    Ildo Lobo era muito querido pelo seu povo, e pelos seus pares. Continua a sê-lo, mesmo volvidos já 21 anos desde a sua partida. No momento das despedidas, os cabo-verdianos souberam tributar um dos seus grandes ídolos de sempre. Prova disso é o número invulgar de canções a homenageiam Nôs Cantador.

     

     

    Bu vida um sol qui câ demorâ

    Força di bo vôz ta sustil na tempo

    Raiz e tradiçon bu câ pinhorâ

    Luz qui norteabu na tudo momento

     

    Dany Lobo, in “Tributo a Ildo Lobo”

     

    Por Benvindo Neves